Nefrologia e Urologia
Atualmente, o tratamento da doença renal crônica (DRC) é multimodal (Quadro – 1) em todos os seus estágios de progressão. Ter um paciente portador de uma doença crônica, progressiva é um desafio diário para os tutores que têm que se adaptar a uma rotina diferente e repleta de cuidados.
Apesar de ser uma medida óbvia, a manutenção do aporte adequado de água para pacientes é imprescindível, visto que a desidratação, sobretudo para pacientes já portadores de DRC, é um fator de piora da função renal, sendo a fluidoterapia recomendada para muitos pacientes (Figura – 1). A fluidoterapia definitivamente não é um tratamento necessário para todos os pacientes com DRC. É importante deixar claro que “lavar os rins” com a realização de fluidoterapia não é uma medida recomendada, podendo inclusive sobrecarregar os rins de forma desnecessária, culminando com a piora da condição clínica do paciente.
Fármacos antieméticos são recomendados não somente para cessar episódios eméticos, mas também para controlar a náusea, que favorece o desenvolvimento de disorexia/anorexia, contribuintes para o catabolismo proteico e maior produção de toxinas urêmicas. Dentre os fármacos antieméticos, destaca-se o maropitant pela eficiência terapêutica no controle de náusea e vômito, além da promoção de analgesia visceral frente ao quadro de gastroenterite urêmica. No Brasil, o seu uso em felinos não é indicado em bula, mas há sua recomendação nesta espécie, embasada pela literatura científica. A mirtazapina é um orexígeno bastante efetivo em cães e gatos, além de apresentar efeito antiemético adicional.
O controle da HAS tem papel de destaque no tratamento, já que os rins também são considerados órgãos alvo nessa situação, levando a piora progressiva da função renal. Além de ação hipotensora, inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), como o benazepril; inibidores dos receptores do tipo 1 da angiotensina 2, como a telmisartana, também são antiproteinúricos; e bloqueadores de canal de cálcio como amlodipina. A primeira linha de tratamento da HAS para cães é o benazepril e para gatos é a amlodipina.
O uso de quelantes entéricos de fósforo e também da dieta comercial coadjuvante indicada para nefropatas são importantes na questão do controle do hiperparatireoidismo renal secundário que ocasiona mineralização de tecidos moles e favorece o desenvolvimento de nefrolítases de oxalato de cálcio, fator de progressão da DRC. Vale ressaltar que pacientes em normocalcemia ou hipercalcemia iônica devem preferencialmente receber hidróxido de alumínio e o uso do carbonato ou acetato de cálcio somente deve ser orientado em situação de hipocalcemia iônica, visto que em outras circunstâncias pode ocasionar hipercalcemia e calcificação distrófica.
Muitos pacientes em estágios avançados da DRC desenvolvem anemia de caráter arregenerativo e o tratamento pode ser baseado na administração de eritropoetina recombinante humana e em situações emergenciais de anemia grave a transfusão de hemocomponentes pode ser necessária. A suplementação de ferro em pacientes caninos anêmicos é recomendada, mas não em gatos.
Pacientes em acidose metabólica devem receber bicarbonato de sódio na internação e citrato de potássio por via oral. Deve-se atentar que pacientes com DRC poliúricos tendem a hipocalemia, mas em estágios avançados pode haver hipercalemia pela agudização da DRC ou pelo agravamento da acidose metabólica. O cloreto de potássio pode ser suplementado na fluidoterapia intravenosa e o citrato de potássio pode ser administrado por via oral em pacientes não internados.
Pacientes caninos a partir do estágio 2 da DRC têm indicação de dieta comercial ou caseira com restrição parcial de proteína, caso o paciente esteja no estágio 1 e tenha UPC superior a 0,5, sem indícios de processo inflamatório no sedimento de urinálise, também tem essa indicação. A dieta coadjuvante renal tem por função minimizar a sobrecarga do processo de filtração glomerular e diminuir a proteinúria. A Sociedade Internacional de Interesse Renal (IRIS) também indica essa orientação para felinos. Contudo, há divergências sobre essa restrição, elencadas por especialistas de Medicina Felina, uma vez que o gato é um carnívoro obrigatório e a perda importante de massa magra não traria benefícios reais a filtração glomerular e aumento de expectativa de vida.
O paciente com DRC em estágios mais avançados geralmente necessitam de muitas medicações e isso pode ser um pesadelo para muitos tutores. Pacientes nauseados que não aceitam as necessidades calóricas diárias podem precisar de uma via alternativa de fornecimento de dieta, como as sondas nasogástricas e esofágicas, e muitos tutores já fragilizados pela doença do pet acabam não compreendendo os benefícios dessa modalidade terapêutica e não permitindo sua realização. O uso de sondas também auxilia no fornecimento de medicamentos que devem ser fornecidos por via enteral.
A terapia com células tronco é uma técnica inovadora e já é realidade não somente em pesquisas, mas também na rotina da Medicina Veterinária. Essa modalidade terapêutica não substitui a terapia convencional, mas vem somar com seus efeitos antiinflamatórios, antifibróticos e imunomodulares, proporcionando uma progressão lentificada e um maior tempo de estabilização dentro dos estágios da DRC.
A qualidade de vida nos pacientes acometidos por DRC pode ser aprimorada com um tutor bem informado quanto às pequenas mudanças clínicas que devem ser investigadas e tratadas, associado a um acompanhamento veterinário mais próximo no sentido de intervir de forma rápida e eficiente.
Quadro – 1: Linhas gerais no tratamento da doença renal crônica (DRC) em Cães e Gatos
Fonte: Sociedade Internacional de Interesse Renal – IRIS (2023).