Equalis veterinaria

Doença Renal Crônica em Cães e Gatos

Autor: Andréa Alves

Nefrologia e Urologia

 

A doença renal crônica (DRC) é uma enfermidade que atinge um grande número de cães e gatos. É caracterizada pela perda progressiva e irreversível da função renal, acarretando em graves alterações do equilíbrio hídrico, eletrolítico e ácido-base, o que pode culminar com o óbito do paciente.

As causas da DRC são consideradas multifatoriais. Destacam-se as doenças infecciosas que promovem glomerulonefrites a partir da deposição de imunocomplexos em parede de capilares glomerulares, tais como erliquiose, babesiose, anaplasmose, leishmaniose, micoplasmose, leucemia e imunodeficiência felina. Pacientes com diagnóstico de doença renal aguda (DRA) que não têm a função renal revertida para a normalidade acabam evoluindo para DRC. A DRA pode ser ocasionada a partir de eventos que levam a hipovolemia com diminuição da perfusão renal; ação de nefrotoxinas endógenas ou exógenas; por injúria parenquimatosa, como pielonefrite e leptospirose; e também secundária a quadros de uropatia obstrutiva que promovem hipertensão glomerular por hidronefrose.

A DRC é caracterizada por apresentar um curso silencioso, visto que as manifestações clínicas são aparentes somente a partir da perda de 75% da função dos rins, quando ocorre a elevação dos níveis séricos de creatinina. Para uma melhor compreensão do real estado clínico do paciente, a Sociedade Internacional de Interesse Renal (IRIS) elaborou diretrizes que permitem a classificação da DRC em quatro estágios, sendo que à medida que se tem sua progressão há o surgimento de vários sinais clínicos. Os pacientes no estágio 1 são assintomáticos e clinicamente normais (Figura – 1); no estágio 2 apresentam sinais leves, tais como poliúria, polidipsia, disorexia, discreta perda de peso; no estágio 3 e 4 (Figura – 2) os sinais são mais graves em decorrência do declínio progressivo da função renal, tais como prostração, episódios eméticos, diarreia, hematêmese, melena, hematoquezia, anorexia, perda importante de peso, mucosas pálidas, alterações neurológicas por encefalopatia urêmica, incoordenação motora e alterações ósseas. Felinos em estágios mais avançados da DRC apresentam constipação e obstipação, sendo muitas vezes alteração clínica que motiva o tutor a levá-los ao médico veterinário.

A DRC não é uma doença exclusiva de pacientes senis, apesar de ter uma prevalência alta nessa faixa etária. Pacientes filhotes podem ser portadores de doenças congênitas, consideradas raras, em variados níveis de gravidade que podem ser diagnosticados enquanto ainda filhotes, adultos ou idosos. A DRC secundária às doenças sistêmicas de base infecciosa pode ser diagnosticada em qualquer faixa etária. De acordo com a IRIS, os gatos têm uma maior incidência de DRC do que cães, onde um em cada três gatos e um em cada 10 cães desenvolverão DRC ao longo da vida.

Há doenças de caráter congênito, familial que levam a DRC e são mais observadas em algumas raças. A doença renal policística dos felinos tem maior predisposição nas raças Persa, Exótico, Sagrado da Birmânia e Maine Coon. A displasia renal é também uma doença congênita que acomete cães das raças Lhasa Apso, Shih Tzu, Malamute do Alaska, Chow Chow, Schnauzer Miniatura, Golden Retriever e Poodle. Já a amiloidose renal tem o Shar Pei e o Abissínio como principais raças predispostas

O diagnóstico da DRC é realizado a partir de vários exames laboratoriais e de imagem. Para tanto, é indispensável a análise dos marcadores sanguíneos como a creatinina e a dimetil arginina simétrica (SDMA), marcadores urinários como a urinálise e relação proteína creatinina urinária (UPC), marcadores de imagem como ultrassonografia renal e marcador pressórico com a avaliação da pressão arterial sistólica que permitem caracterizar os estágios da DRC (Quadro – 1). Pacientes no estágio 1 têm creatinina dentro do intervalo de normalidade, mas já podem apresentar proteinúria, alterações na imagem renal e hipertensão arterial sistêmica (HAS). Para identificar o paciente em estágio 1, a avaliação do SDMA pode ser auxiliar, visto que sua elevação acontece quando há 25 a 40% de perda de função renal. À medida que há progressão para estágios mais avançados, a partir do estágio 2, há elevação da creatinina, bem como alterações nos demais marcadores.

A importância de se fazer um diagnóstico precoce de DRC consiste na intervenção de medidas preventivas e terapêuticas no intuito de tornar a progressão do quadro mais lento, proporcionando mais qualidade de vida e maior taxa de sobrevida. Isso implica diretamente em reduzir o risco de óbito antecipado por suas complicações, melhorando o fator prognóstico.   Atualmente, o tratamento da DRC é multimodal e individualizado em todos os seus estágios de progressão, não há um protocolo engessado. Há pacientes que além de medicações, e dieta coadjuvante renal podem se beneficiar de técnicas de substituição da função renal (hemodiálise e diálise peritoneal), além de terapia com células tronco.

Algumas medidas de caráter profilático que os tutores devem realizar incluem a não administração de medicamentos sem orientação médico veterinária, visto que há fármacos com potencial de nefrotoxicidade e o uso de ectoparasiticidas na intenção de proteger os animais quanto a picada de pulgas, carrapatos e mosquitos que podem transmitir desde hemoparasitoses e leishmaniose que promovem lesões renais.

É importante que os Médicos Veterinários orientem os tutores sobre a importância de exames de rotina em animais assintomáticos, pois muitas vezes quando as manifestações clínicas acontecem, a doença pode estar em um estágio já avançado. A DRC se aplica muito bem a essa conduta. Tutores de animais jovens e adultos devem leva-los para avaliação veterinária e fazer os exames anualmente. Já os idosos se possível a cada seis meses.

O acompanhamento veterinário periódico de pacientes com DRC compensada é capaz de identificar e corrigir fatores de risco ao tecido renal normal remanescente, o que pode ser um fator crucial para a manutenção da estabilidade do paciente.

Infelizmente a conscientização dos tutores quanto a importância da chamada medicina preventiva ainda é muito baixa, e isso ainda se reflete a muitos responsáveis de pacientes portadores de estágios avançados da DRC que por vezes ainda dizem que não serem orientados quanto a medidas corretas de controle com administração de ectoparasiticidas e até mesmo imunização, exames de rotina e necessidade de exames auxiliares para avaliação da saúde antes de qualquer procedimento anestésico. O Médico Veterinário tem um longo caminho, ainda desafiador, de mudar a mentalidade de muitos tutores.

A DRC é uma doença silenciosa em estágios iniciais que deve ser investigada com as ferramentas diagnósticas adequadas, e dessa forma instituir a terapia mais indicada para uma progressão o mais lenta possível, pontuando sempre a qualidade de vida do paciente.

Quadro – 1: Estágios da doença renal crônica (DRC) em Cães e Gatos

Fonte: Sociedade Internacional de Interesse Renal – IRIS (2023).

Compartilhe com um amigo

Telegram
WhatsApp
LinkedIn