Equalis veterinaria

Proteinúria como Indicador de Lesão Renal em Cães e Gatos

Autor: Andréa Alves

Nefrologia e Urologia

 

As proteínas são moléculas indispensáveis ao bom funcionamento do organismo, participando de várias funções vitais como transporte de substâncias, comunicação intercelular, aceleração de diversas reações químicas e da resposta imunológica.

Uma das funções importantes dos rins é a filtração do sangue no intuito de remover toxinas endógenas e exógenas pela urina. A unidade estrutural e funcional de filtração é o glomérulo que é constituído por capilares glomerulares que são envoltos por uma cápsula fibrosa denominada de Bowman. Uma característica histológica dos capilares glomerulares é o endotélio fenestrado, por onde passam os elementos do processo de filtração. O produto final da filtração glomerular é o filtrado glomerular (FG) ou ultrafiltrado plasmático é constituído por água, eletrólitos, toxinas, bicarbonato, glicose e proteínas de baixo peso molecular. A maioria dos elementos do FG, tais como, água, eletrólitos, glicose, bicarbonato, proteínas devem ser reabsorvidos ao longo dos segmentos tubulares renais. Todas as toxinas, com exceção da ureia devem ser totalmente excretados pela urina. Cerca de 40% da quantidade de ureia presente no FG deve ser reabsorvida em túbulos contornados proximais para aumentar a tonicidade medular para que ocorra o mecanismo de contracorrente para concentração urinária. As proteínas de baixo peso molecular também são importantes e não devem ser eliminadas na urina e caso estejam presentes a quantidade deve ser bem pequena.

Proteínas de alto peso molecular têm a característica de não passarem pelo processo de filtração glomerular, ficando retidas no leito capilar glomerular. Contudo, em situações de processos inflamatórios no tecido glomerular elas podem ser detectadas na urina. Nas glomerulopatias inflamatórias há alargamento das fenestras dos capilares glomerulares e a perda da eletronegatividade das proteínas presentes nas membranas glomerulares e, dessa forma, tem-se o favorecimento da passagem dessas proteínas para o FG.

As principais glomerulopatias inflamatórias são as glomerulonefrites e amiloidose.

As glomerulonefrites podem ser classificadas de acordo com sua etiologia inflamatória infecciosa com padrão de lesão imunomediada e não infecciosa de padrão de lesão autoimune (Quadro – 1). O quadro imunomediado ocorre a partir da deposição de imunocomplexos formados em quadros de doenças infecciosas em paredes de capilares glomerulares, ocasionando processo inflamatório; já o autoimune é caracterizado pela deposição autoanticorpos contra proteínas da membrana glomerular que são identificadas de forma errônea pelo organismo como se fossem estranhas o que acarreta em processo inflamatório local.

 

Quadro  – 1: Etiologia das glomerulonefrites em cães e gatos:

Causas Caninos Felinos
 

 

 

Inflamatória Infecciosa

Erliquiose, Anaplasmose, Febre Maculosa, Dirofilariose, Babesiose, Brucelose, Lyme, Piometra, Hepatozoonose, Rangeliose, Leishmaniose, Prostatite Bacteriana, Endocardite Bacteriana, Sepse, Doença Periodontal FeLV, FIV, PIF, Micoplasmose e Infecções Bacterianas.
Inflamatória Não Infecciosa LES, Pancreatite, Hepatite, Glomerulonefrites Familiais LES, Pancreatite, Glomerulonefrites Familiais.
Outras Neoplasias, HAC, DM, Idiopaticas. Neoplasias, DM, Idiopáticas.

 

A amiloidose é uma doença de etiologia ainda não bem esclarecida, rara, de caráter genético autossômico recessivo, familial. É caracterizada pela deposição heterogênea de proteína fibrilar, denominada amiloide AA, intraglomerular que gera processo inflamatório local, ocasionando alterações estruturais e funcionais renais. Cães da raça Shar Pei e gatos da raça Abissínio são predispostos a amiloidose de acometimento renal ou sistêmica.

As glomerulonefropatias são caracterizadas por proteinúria maciça. Pacientes com proteinúria e que levam a hipoalbuminemia apresentam síndrome nefrótica (SN). A azotemia pode ou não estar presente na SN. A proteinúria persistente estimula a síntese hepática de albumina ligada a moléculas de colesterol que têm alto peso molecular e não passam pelo processo de filtração glomerular. Nem toda albumina é sintetizada ligada ao colesterol e assim a perda de proteína ainda continua, contudo, tais pacientes apresentam hipercolesterolemia que pode ser preocupante pelo risco elevado de pancreatite. Uma alteração clínica que pode acontecer é a formação de edema e ou efusão justamente pela diminuição da pressão oncótica no endotélio dos vasos sanguíneos.

Pacientes nefróticos podem desenvolver complicações sistêmicas como hipertensão arterial sistêmica (HAS) e hipercoagulabilidade. O extravasamento de líquido do interior dos vasos pela diminuição da pressão oncótica promove diminuição da pressão hidrostática e dessa forma há ativação constante do sistema renina-angiotensina-aldosterona. A hipercoagulabilidade é o fenômeno de formação de trombos no leito vascular, visto que pela lesão glomerular há passagem da proteína antitrombina III para o FG e posteriormente urina. A antitrombina III tem por função se ligar a heparina no sangue com o intuito de manter o sangue fluido.

A avaliação laboratorial da proteinúria deve ser realizada a partir exames como a urinálise e relação proteína creatinina urinária (RPC). O método de coleta por cistocentese recomendado para uma adequada interpretação dos resultados. A proteinúria é classificada em pré-renal, renal e pós-renal. A proteinúria pré-renal geralmente se relaciona a situações que cursam com elevação da temperatura corpórea do paciente, tais como exercício extenuante, febre e crises convulsivas. Essa proteinúria tem a característica de ser intermitente. A proteinúria renal se relaciona a presença de glomerulonefropatias em cães e gatos e doença túbulo-intersticial em gatos, de característica persistente. Já a proteinúria pós-renal é secundária a processos inflamatórios infecciosos ou não infecciosos com sede nos ureteres, bexiga e uretra, como por exemplo, uretrocistite bacteriana e uretero/urocisto/uretrolitíase.

O RPC não permite determinar a origem da proteinúria e dessa forma, sendo indispensável a realização da urinálise a partir de uma mesma amostra de urina. Caso o paciente apresente status de RPC (Quadro – 2) elevado associado ao encontro de sedimento da urinálise com alterações relacionadas a processo inflamatório, não se pode inferir que há perda de proteína de origem renal. O paciente até pode ter proteinúria de origem renal, contudo, a recomendação é tratar o processo inflamatório e posteriormente repetir a urinálise e o RPC.

 

Quadro  – 2: Status da Relação Proteína-Creatinina (RPC):

Status Caninos Felinos
Não Proteinúrico 0 a 0,20 0 a 0,20
Suspeito de Proteinúria 0,20 a 0,50 0,20 a 0,40
Proteinúrico > 0,50 > 0,40

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